sexta-feira, novembro 07, 2008

Rescaldo da Conferência Fiel

Foi na verdade uma bênção para a minha vida e para o ministério para o qual Deus me chamou.
Segue de seguida um texto, do Pr. Franklin Ferreira, numa das suas palestras.
2. João Calvino e a pregação das Escrituras

1. De humanista a reformador
João Calvino nasceu em Noyon, na Província da Picardia, na França, na fronteira dos Países Baixos, em 10 de julho de 1509. Seu pai era advogado que trabalhou para o cônego desta cidade, e sua mãe era uma mulher muito piedosa. Foi enviado para estudar filosofia em Paris, no Collège de Montaigu, mas, em 1528, após brigar com os líderes da igreja, seu pai o enviou para estudar direito em Orléans e grego em Bourges. Em 1531, com a morte do pai, retornou a Paris para dedicar-se ao seu interesse predileto, a literatura clássica.

Em 1533 converteu-se à fé evangélica, e a respeito deste fato disse: “Minha mente, que a despeito de minha juventude, estivera por demais empedernida em tais assuntos, agora estava preparada para uma atenção séria. Por uma súbita conversão, Deus transformou-a e trouxe-a à docilidade”. No final desse ano, teve de fugir de Paris sob acusação de ser o co-autor de um discurso simpático aos protestantes, proferido por Nicholas Cop, o novo reitor da Universidade de Paris. Refugiou-se na casa de um amigo em Angoulême, onde começou a escrever a sua principal obra teológica. No mês de março de 1535 foi publicada em Basiléia a primeira edição da Instituição da Religião Cristã (ou Institutas), que seria “uma chave abrindo caminho para todos os filhos de Deus num entendimento bom e correto das Escrituras Sagradas”.

Em 1536 ao passar por Genebra, foi coagido por Guilhaume Farel a iniciar um trabalho ali. Calvino ficou chocado com a idéia, pois se sentiu despreparado para a tarefa. Ele poderia fazer mais pela igreja através de seus estudos e de seus escritos. Nesse momento, Farel trovejou a ira de Deus sobre Calvino com palavras que este jamais iria esquecer – Deus amaldiçoaria o seu lazer e os seus estudos se em tão grave emergência ele se retirasse, recusando-se a ajudar. A primeira estadia de Calvino em Genebra durou menos de dois anos. O seu primeiro catecismo e confissão de fé foram adotados, mas ele e Farel entraram em conflito com as autoridades civis acerca de questões eclesiásticas: disciplina, adesão à confissão de fé e práticas litúrgicas.

De 1538 a 1541 mudou-se para Estrasburgo, onde pastoreou a igreja de refugiados franceses nesta cidade. Um refugiado que visitou a igreja de Calvino fez a seguinte descrição do culto: “Todos cantam, homens e mulheres, e é um belo espetáculo. Cada um tem um livro de cânticos nas mãos. (...) Olhando para esse pequeno grupo de exilados, chorei, não de tristeza, mas de alegria, por ouvi-los todos cantando tão sinceramente, enquanto cantavam agradecendo a Deus por tê-los levado a um lugar onde seu nome é glorificado”. Lá se casou com Idelette de Bure e travou contato com Martin Bucer, que influenciou profundamente sua teologia, principalmente acerca da doutrina do Espírito Santo e da disciplina eclesiástica.

2. O erudito de Genebra
Em 1541 os genebrinos suplicaram que Calvino retornasse à sua igreja. Ele retornou a Genebra no dia 13 de setembro, viu-se nomeado pregador da antiga igreja de São Pedro e foi “contemplado com um salário razoável, uma casa ampla, e porções anuais de 12 medidas de trigo e 250 galões de vinho”. Em 1548 Idelette faleceu, e Calvino nunca mais tornou a casar-se. O único filho que tiveram morreu ainda na infância. Não obstante, Calvino não ficou inteiramente só. Tinha muitos amigos, inclusive em outras regiões de Europa, com os quais trocava volumosa correspondência. Depois de grandes lutas, conseguiu implementar seu programa de reformas, mudando completamente toda Genebra, tornando-a um exemplo para toda a cristandade, “a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos”, como o reformador escocês John Knox disse.

Em 6 de fevereiro de 1564, Calvino, muito enfermo, foi transportado para a igreja numa cadeira, pregando então com dificuldade o seu último sermão. No dia de Páscoa, 2 de abril, foi levado pela última vez à igreja. Participou da ceia, recebendo o sacramento e, mesmo com a voz trêmula, cantou junto com a congregação. Em 28 de abril de 1564, um mês antes de morrer, convocou os ministros de Genebra à sua casa; tendo-os à sua volta, despediu-se: “A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça de escrever. Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui tentado a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade. Nunca escrevi nada com ódio de alguém, mas sempre coloquei fielmente diante de mim o que julguei ser a glória de Deus”. Ele faleceu em 27 de maio de 1564. Calvino foi enterrado no cemitério comum. Devido a seu próprio pedido, não se ergueu lápide alguma sobre o lugar de sua sepultura.

3. A pregação como Vox Dei
Calvino assim definiu a comunidade cristã: “Onde quer que vejamos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, aí de modo nenhum se há de contestar está uma igreja de Deus”. Ele elaborou detalhadamente o tema da natureza da pregação como “a voz de Deus”. Em seu comentário de Isaías ele afirma que na pregação “a palavra sai da boca de Deus de tal maneira que ela de igual modo sai da boca de homens; pois Deus não fala abertamente do céu, mas emprega homens como seus instrumentos, a fim de que pela agência deles, Ele possa fazer conhecida a sua vontade”. Comentando a epístola de Gálatas, Calvino enfatiza a eficácia do ministério da palavra, afirmando que, porque Deus “emprega ministros e a pregação como seus instrumentos para este propósito, lhe apraz atribuir a eles a obra que ele mesmo realiza, pelo poder do seu Espírito, em cooperação com os labores do homem”. Para Calvino, a leitura e meditação privadas das Escrituras não substituem o culto público, pois “entre os muitos nobres dons com os quais Deus adornou a raça humana, um dos mais notáveis é que ele condescende consagrar bocas e línguas de homens para o seu serviço, fazendo com que a sua própria voz seja ouvida neles”. Por essa razão, argumenta ele, quem despreza a pregação despreza a Deus, porque ele não fala por novas revelações do céu, mas pela voz de seus ministros, a quem confiou a pregação da sua Palavra. Ao falar Deus aos homens por meio da pregação, Calvino identifica dois benefícios: “Por um lado, ele [Deus], por meio de um teste admirável, prova a nossa obediência, quando ouvimos seus ministros exatamente como ouviríamos a ele mesmo; enquanto que, por outro, ele leva em consideração a nossa fraqueza, ao se dirigir a nós de maneira humana, por meio de intérpretes, a fim de que possa atrair-nos a si mesmo, ao invés de afastar-nos por seu trovão”.

A importância dada ao sermão se percebe no lugar que ele ocupa na liturgia reformada – o lugar central. Isso não significa que Calvino tenha dado uma importância exagerada ao pregador; significa apenas que, para ele, o sermão tem que ser a fiel interpretação da verdade revelada nas Escrituras, dirigida aos problemas do momento. Assim como Calvino cria na presença espiritual real de Cristo na administração dos sacramentos, assim também cria na presença espiritual real de Cristo na pregação, salvando os eleitos e edificando e governando sua igreja. Essa concepção sacramental da pregação é afirmada diversas vezes por Calvino nas Institutas. Por exemplo, ao combater o emprego de símbolos visíveis para representar a presença de Cristo no culto, ele afirma que é “pela verdadeira pregação do Evangelho”, e não por cruzes, que “Cristo é retratado como crucificado diante de nós” (I.11.7). Citando Agostinho (IV.14.26), o qual referia-se às palavras como sinais, porquanto entendia que “na pregação, o Espírito Santo usa as palavras do pregador como ocasião para a presença de Deus em graça e em misericórdia. Neste sentido, as palavras do sermão são comparáveis aos elementos nos sacramentos” (IV.1.6; 4.14.9-19). Por isso, ele escreveu: “A igreja de Deus será educada pela pregação autêntica de sua Palavra e não pelas invenções dos homens [as quais são madeira, feno e palha]”.

4. A prioridade da pregação expositiva
Calvino escreveu: “A majestade das Escrituras merece que seus expositores façam-na evidente, que tratem-na com modéstia e reverência”. Sua pregação era igual do começo ao fim: pregava consistentemente através da Bíblia, livro após livro, verso após verso. Não desistiu desse método por quase 25 anos de ministério na igreja de São Pedro em Genebra – com exceção de algumas festividades religiosas importantes e ocasiões especiais. Calvino não tinha qualquer preocupação em acompanhar o ano eclesiástico na escolha dos assuntos da sua pregação. Pela influência de Calvino e Farel, Genebra rejeitou inicialmente a adoção do costume de Berna, que mantinha algumas festas religiosas no seu calendário – Natal, Páscoa, Ascensão e Pentecostes. A intenção de Calvino era afastar a idéia da existência de dias santificados além do domingo; mais tarde ele adotou em Genebra o costume de celebrar o Natal no domingo próximo seguinte à data, para que não houvesse um outro dia de festividades religiosas além do domingo. Por isso, uma das mais claras ilustrações de que a pregação seqüencial havia sido uma escolha consciente da parte de Calvino foi o fato de que no dia da Páscoa, em 1538, depois de pregar, ele deixou o púlpito da São Pedro, banido pelo conselho da cidade. Quando ele retornou, em setembro de 1541 (mais de três anos depois), continuou a exposição no verso seguinte.

No auge de seu ministério em Genebra, Calvino começou a pregar num livro do Novo Testamento nos domingos pela manhã e à tarde (embora pregasse nos Salmos em algumas tardes) e também num livro do Antigo Testamento, nas manhãs, durante a semana. Desse modo, ele abordou a maior parte das Escrituras. Ele começou sua série de pregações expositivas no livro de Atos, em 25 de agosto de 1549 e terminou-a em março de 1554, num total de 89 sermões. Depois, ele prosseguiu para 1 e 2Tessalonicenses (46 sermões), 1 e 2Coríntios (186 sermões) e Efésios (48 sermões), até maio de 1558, quando ficou muito doente. Na primavera de 1559, começou a Harmonia dos Evangelhos, série inacabada ao morrer, em maio de 1564 (65 sermões). Durante a semana, naquele período, pregou 174 sermões em Ezequiel (1552-1554), 159 sermões em Jó (1554-1555), 200 sermões em Deuteronômio (1555-1556), 353 sermões em Isaías (1556-1559), 123 sermões em Gênesis (1559-1561), 107 sermões em 1Samuel e 87 sermões em 2Samuel (1561-1563) e assim por diante. Os livros que ele pregou do primeiro ao último capítulo são: Gênesis, Deuteronômio, Jó, Juízes, 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis, Profetas Maiores e Menores, Evangelhos, Atos, 1 e 2Coríntios, Gálatas, Efésios, 1 e 2Tessalonicenses, 1 e 2Timóteo, Tito e Hebreus. Por que este compromisso com a centralidade da pregação expositiva seqüencial?

1. Calvino acreditava que a Escritura era a lâmpada que havia sido tirada das igrejas: “Tua Palavra, que deveria ter brilhado sobre todas as pessoas como uma lâmpada, foi retirada ou pelo menos suprimida de nós. (...) E agora, ó Senhor, o que resta a um miserável como eu a não ser (...) sinceramente suplicar a ti que não me julgues de acordo com [meus] desertos, aquele terrível abandono da tua Palavra em que vivi e do qual, na sua maravilhosa bondade, me tens livrado”. Calvino considerou que essa contínua exposição de livros da Bíblia era a melhor maneira de superar o “terrível abandono da Palavra [de Deus]”.

2. Calvino tinha aversão de quem pregava suas próprias idéias no púlpito: “Quando adentramos o púlpito, não podemos levar conosco nossos próprios sonhos e fantasias”. Acreditava que, expondo as Escrituras por completo, seria forçado a lidar com o que Deus queria dizer, não somente com o que ele talvez gostaria de dizer.

3. Ele acreditava que a Palavra de Deus era de fato a Palavra de Deus e que toda ela era inspirada e proveitosa e radiante com a luz da glória de Deus: “Que os pastores corajosamente ousem todas as coisas pela Palavra de Deus. (...) Que contenham e comandem todo poder, glória e excelência do mundo, que dêem lugar e obedeçam à divina majestade dessa Palavra. Que encarreguem o mundo todo de fazer isso, desde o maior até o menor. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o reino de Satanás. Que cuidem das ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os rebeldes. Que amarrem e libertem trovões e raios, se necessário, mas que façam tudo isso de acordo com a Palavra de Deus”.

A ênfase aqui é “a divina majestade dessa Palavra”. Este sempre foi o assunto fundamental para Calvino. Como poderia expor, da melhor maneira possível, a majestade de Deus? Sua resposta foi dada com uma vida de contínua pregação expositiva. Não havia maneira melhor para manifestar a completa extensão da glória e da majestade de Deus do que difundir toda a Palavra de Deus no contexto do ministério pastoral.

5. A estrutura do sermão
James M. Boyce escreveu: “Calvino era antes de tudo um pregador, e como um pregador ele via a si mesmo como um professor da Bíblia... Ele considerava a pregação o seu trabalho mais importante”. Cerca de dois mil dos sermões de Calvino foram preservados. Versículo por versículo, ele ia através de um profeta, de um salmo, de um evangelho ou de uma epístola. Como Boyce descreveu: “Ele começava no primeiro versículo do livro e, então, tratava de seções contínuas, de quatro ou cinco versos, até que chegava ao fim e, neste ponto, dava início a outro livro”. Não havia uma palavra de discordância com as Escrituras, nem uma inferência depreciativa, nem uma fuga de dificuldades, ainda que evitasse as especulações infundadas: “Visto que revelar a mente do autor é a única tarefa do intérprete, ele erra o alvo, ou pelo menos desvia-se de seus limites, à medida que afasta seus leitores do propósito do autor... É... presunção, e quase uma blasfêmia, distorcer o significado das Escrituras, agindo sem o devido cuidado, como se isso fosse algum jogo que estivéssemos jogando”. Ele ainda escreveu: “O verdadeiro significado das Escrituras é aquele que é natural e óbvio”. Ele renunciou a tudo que pudesse trazer-lhe glória pessoal e colocou sua cultura e retórica a serviço da fé cristã.

Não seria possível descobrir nos sermões de Calvino o arranjo homilético segundo as normas atuais da pregação. Em muitos casos, Calvino tomava o texto, analisando e aplicando consecutivamente, durante cerca de uma hora, o que conferia à mensagem um tom livre e informal. A introdução do sermão era curta, sucinta e direta, e consistia de uma breve introdução, lembrando a congregação do que a passagem anterior dizia, colocando os próximos versículos no contexto, ou mostrando o argumento central da passagem pregada, relacionando-a ao contexto da estrutura do livro que estava sendo exposto. Por isso pode-se perceber que há uma ordem e um arranjo lógico e um desenvolvimento natural e progressivo nas suas mensagens.

Seus sermões não são prova da beleza e correção de estilo, por duas razões: (1) ele pregava sem esboço, e nem podia ser diferente, pois ele tinha que pregar quase diariamente; (2) ele tinha um profundo respeito para com a Palavra de Deus, a ponto de pensar que o estilo rebuscado pudesse prejudicar a clareza da mensagem. A pregação sem anotações era uma reação ao costume daquela época, quando os sermões eram lidos e se tornavam frios, sem entusiasmo e sem energia. Ainda pregando sem anotações, seus sermões testemunham um uso impressionante de frases curtas compostas de sujeito, verbo e predicado e fáceis de assimilar, palavras simples e expressões coloquiais, figuras de linguagem, perguntas retóricas, paráfrases e repetições, ironia mordaz e linguagem instigante.

Carl G. Kromminga afirmou que Calvino viveu e trabalhou como se estivesse na presença de Deus. Por isso, o empenho de Calvino era trazer os homens à presença de Deus. Isto é ainda mais manifesto nos sermões de Calvino. Seus sermões são sempre sermões cruciais, pesados e decisivos. Nem sempre Calvino usa ilustrações, e quando as usa raramente são de fora da Bíblia. No entanto, Calvino estabelece comparação com um quadro da vida diária para tornar bem accessível ao seu ouvinte a mensagem da Palavra de Deus. Kromminga aponta as metáforas, as exclamações, recursos da oratória de Calvino que contribuíram para tornar efetiva a sua mensagem.

T. H. L. Parker escreveu: “A pregação expositiva consiste na explanação e aplicação de uma passagem das Escrituras. Sem explanação ela não é expositiva; sem aplicação ela não é pregação”. Por isso Calvino escreveu sobre os ouvintes do sermão, que deveriam cultivar um “desejo de obedecer a Deus de forma completa e incondicional”. E acrescentou: “Não assistimos à pregação meramente para ouvir o que não sabemos, mas para sermos encorajados a fazer nossa obrigação”. Por isso, seus sermões partiam das Escrituras para a situação concreta e presente em Genebra, incluindo exortação pastoral, exame pessoal, repreensão amorosa, confrontação, usando muitas vezes pronomes na primeira pessoa do plural. Na conclusão de cada sermão, primeiro ele fazia um resumo da verdade que explicara num parágrafo curto, e depois instava de forma direta a seus ouvintes para que se submetessem ao Senhor, em arrependimento, obediência e humildade. Finalmente, ele concluía com uma oração pública, confiando seu rebanho a Deus.

Precisa ser ressaltado que Calvino acreditava que Paulo havia providenciado um modelo para o ministério da Palavra quando falava sobre como ele não cessava de admoestar tanto “publicamente” quanto de “casa em casa”. Por ele ter uma verdadeira preocupação pastoral por aqueles para quem está pregando, ele procurou visitá-los em seus lares. “O que quer que os outros pensem”, Calvino escreveu, “não consideremos nosso cargo como algo dentro de limites tão estreitos como se, quando o sermão estiver terminado, pudéssemos descansar como se nossa tarefa tivesse terminada. Aqueles, cujo sangue será requerido de nós se os perdermos por causa de nossa preguiça, devem ser cuidados muito mais de perto e de modo mais vigilante”. Portanto a pregação requer ser suplementada com uma entrevista pastoral. “Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com a necessidade e com as circunstâncias específicas de cada caso”. Calvino insistiu que o pastor precisa ser um pai para cada membro da congregação.

6. O papel do pregador
O centro da atenção de Calvino era a vontade de Deus, era a revelação da face de Deus e o empenho em trazer o ouvinte à presença do Senhor. Fosse na pregação da mais profunda doutrina, ou em assunto da vida prática, Calvino convoca os seus ouvintes à face de Deus. Em 1537, aos 29 anos, num de seus primeiros livros, Breve Instrução Cristã (Brève Instruction Chrétienne), ele escreveu:

Uma vez que o Senhor quis que tanto a Sua Palavra como as Suas ordenanças fossem dispensadas ou administradas por meio do ministério de homens, é necessário que haja pastores ordenados nas igrejas, para ensinarem ao povo a sã doutrina, publica e privadamente; administrarem as ordenanças; e darem a todos o bom exemplo de uma vida pura e santa. (...) Lembremo-nos, contudo, que a autoridade que as Escrituras atribuem aos pastores é totalmente contida dentro dos limites do ministério da Palavra, pois o fato é que Cristo não deu esta autoridade a homens, mas sim à Palavra da qual Ele faz estes homens servos.

Portanto, que os ministros da Palavra se disponham a fazer todas as coisas por meio dessa Palavra que eles foram designados para apresentar. Que eles façam com que todos os poderes, todas as celebridades e todas as pessoas de alta posição no mundo se humilhem a fim de obedecerem à majestade dessa Palavra. Por meio dessa Palavra, que eles dêem ordens a todo o mundo, dos maiores aos menores; que eles edifiquem a casa de Cristo, ponham abaixo o reino de satanás, pastoreiem as ovelhas, matem os lobos e instruam e encorajem os que se deixam ensinar; acusem, repreendam e convençam os rebeldes dos seus pecados – mas tudo pela Palavra de Deus.

Se alguma vez eles se apartarem dessa Palavra para seguirem as fantasias e invenções das suas próprias cabeças, então, daí em diante não devem ser recebidos como pastores; ao contrário, essas são lobos perniciosos que devem ser postos fora! Pois Cristo estabeleceu que não devemos dar ouvidos a ninguém, exceto àqueles que nos ensinam o que extraíram da Sua Palavra.

Não será disso que nós estamos precisando? Porventura, não é de uma revitalização da mensagem ao estilo de Calvino, de modo a trazer a comunidade cristã face a face com Deus de que estamos precisando hoje?